Skate como profissão: o que muda com a inclusão do esporte na Classificação Brasileira de Ocupações

Bettina Gehm
5 min readApr 13, 2021

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Foto: CBSk / Divulgação

Skatista de carteira assinada não é novidade: patrocinadores costumam assinar a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) dos praticantes do skate enquadrando-os na categoria atleta ou até em cargos administrativos, embora na maioria das vezes o skatista fique sem esse registro. Mas desde o dia 25 de fevereiro de 2021, a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) reconhece a profissão Atleta de Skate. Isso permite que o praticante do esporte seja um contribuinte junto ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e se aposente como como skatista — reconhecido como tal.

A inclusão na CBO é fruto de um pedido realizado pela Confederação Brasileira de Skate (CBSk), em outubro de 2020, ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Segundo Alexandre Costa, diretor Jurídico da CBSk, para que o MTE reconheça uma profissão é necessário que seja comprovada a existência dos elementos característicos das relações de emprego. No caso do skate, essa relação está embasada pelos artigos 3º da CLT e 28 da Lei Pelé. “O pedido da CBSk foi feito utilizando por base teses antigas que eu já tinha sobre a relação profissional dos skatistas com seus patrocinadores”, afirma.

Conforme a CBSk, a partir de agora o skatista vai conseguir o registro na CTPS através da empresa que o registrar como empregado, não precisando ser patrocinador. O atleta não precisa estar envolvido em competições, assim como não há nenhuma restrição para o registro de um skatista amador. Também não há impeditivo para que um esportista assine com mais de uma marca. A entidade ressalta que o registro profissional de um “atleta de skate” não confere a ele ou ela o título de skatista profissional, mas sim um vínculo profissional com seu empregador.

Existe um processo anual da CBSk que define quais skatistas se tornam profissionais. Segundo Régis Lannig, presidente da Federação Gaúcha de Skate (FGSKT), para isso existem dois caminhos básicos: “um deles é através das competições, de colocação em eventos, e a outra pela trajetória”, explica. A trajetória é avaliada em uma vídeo parte — uma gravação do skatista executando suas melhores manobras — e algo que conta muito é aparecer em alguma edição de revistas voltadas para o skate, como a Thrasher, fundada em 1981.

“E também precisa ter uma empresa que se comprometa a bancar a tua carreira profissional”, explica Régis. “O sonho de todo skatista é ser profissional, mas na verdade alguns não têm o suporte de uma empresa que chega pra ti e diz ‘pode te profissionalizar, eu vou te bancar pra tu poder só andar de skate, isso que vai ser a tua profissão’”. Essa demanda é antiga, já que o atleta precisa dedicar tempo integral ao esporte.

Gabriel Santos tem 23 anos e anda de skate desde os 11. Na pista do IAPI, em Porto Alegre, se apaixonou pelo esporte e, aos 15, começou a pensar em viver do skate. Ele acredita que, com a profissão reconhecida na CBO, a sociedade vá compreender melhor as funções do skatista profissional. “Compreender que aquele cara de barba, já de 30 e poucos anos, que às vezes passa remando no skate na rua e muitos olham como um maloqueiro, na verdade tá ali trabalhando. Tá indo fazer alguma foto, gravar algum vídeo, praticar que seja”, afirma. “Aquela pessoa tá ali com um objetivo; não é lazer, não é vagabundagem”.

Inserido desde os 11 anos no mundo do skateboard, Gabriel Santos quer ter a carteira assinada e viver do esporte | Foto: Daniel Nunez

Com 17 anos, Gabriel conseguiu o primeiro patrocínio. “Foi bem difícil, porque eu não entendia muito bem o que eu tinha que fazer”, diz. Hoje, o skatista que também cursa Relações Públicas na UFRGS desempenha a função de team manager na marca Narina Skate, de São Paulo.

As marcas de skate patrocinam os atletas com roupas, tênis e peças do próprio skate, além da remuneração em dinheiro. Mas, segundo Gabriel, não para por aí: “o skate tem muito da responsabilidade social da marca. Todas as marcas de skate que querem ser influentes no cenário têm que apoiar eventos, fazer ações, fazer seu próprio evento. E apoiar o cenário de diversas formas além de patrocinar atletas”, diz. Para ele, o que vai mudar com a possibilidade da carteira assinada é também a consciência de quem atua no ramo do skateboard. “A partir do momento em que o skate é regularizado como profissão, as marcas têm a responsabilidade de assinar com skatistas para se reafirmarem como autênticas, como marcas que fazem algo pelo cenário do skate”, afirma Gabriel.

A máquina por trás do skate

Uma pesquisa realizada em 2015 pelo Datafolha a pedido da CBSk mostra que a porcentagem de domicílios brasileiros com algum skatista era de 11% em março daquele ano. Cada um desses lares tinha em média 1,18 praticantes de skate; levando em conta o número de domicílios no Brasil, apurado e divulgado pelo IBGE em 2013, o número de pessoas que praticavam o esporte era de aproximadamente 8,45 milhões na pesquisa mais recente. A maioria (48%) integrante da classe C.

A profissionalização vai exigir mais compromisso por parte das marcas, na visão de Gabriel. “Muitas marcas ainda tiram proveito de um cenário decadente do skate para recrutar atletas e pagar migalhas”, relata o skatista. “Por não ter opção, é aquela clássica história: se tu não aceitar, vai ter quem aceite até menos. Então, a gente tem que se condicionar a essa precariedade no nosso sistema. Receber pouco, ter que se desdobrar com o que tem”, diz. E acredita que a carteira de trabalho assinada vá ajudar a mudar um pouco essa situação, mas a longo prazo. “Nada mudou, pra nós. A gente segue andando de skate, segue fazendo nosso corre, os nossos vínculos. Se algo for mudar mesmo, vai ser daqui alguns anos”.

Régis Lannig, da FGSKT, considera que tudo vai depender do interesse das empresas em absorver o mercado. “Hoje existem muitos skatistas profissionais que sequer têm patrocínio, eles têm nível de skatista profissional mas não têm empresas que banquem a carreira deles”, afirma. Para ele, a inclusão do esporte na CBO é mais um reconhecimento simbólico à profissão do que uma abertura para que mais atletas sejam patrocinados.

Simbólico ou não, ainda é um reconhecimento. Régis conta que vem do skate da década de 80. “Eu cheguei a ter skate apreendido pela polícia pelo simples fato de estar andando de skate na rua”, lembra. “Ver todos esses avanços que a gente vem conseguindo agora, o skate ter entrado pras olimpíadas, essa questão do atleta de skate virar profissão, isso é muito legal, muito gratificante”. Para o presidente da FGSKT, isso é fruto de um trabalho que vem sendo desenvolvido há décadas.

Gabriel Santos considera que a burocratização da atividade vai trazer mais segurança financeira para os praticantes do skate. “Acredito que vai ajudar em toda a máquina que funciona por trás da vida de um skatista”, diz. Ele pretende ter a carteira assinada e os motivos são virar contribuinte como skatista, sem precisar ter outro trabalho para poder assinar a CTPS, e também oficializar a profissão. “Ter argumento, voz, posicionamento. Poder falar com propriedade: eu sou um skatista profissional, tá aqui a minha carteira de skatista profissional e tá aqui minha carteira de trabalho assinada”.

Reportagem produzida para a disciplina de Jornalismo Esportivo, da Fabico-UFRGS, ministrada pela professora Sandra de Deus. Leia no blog da disciplina.

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